OST obrigatória
ela inquietou-se. mexeu-se um pouco na cadeira, como que a tentar abafar o silêncio incómodo que sobrevivia às conversas, às gargalhadas, aos ruídos da pista de bowling lá mais adiante. ele notou o desconforto dela e tentou sorrir. mas o sorriso saiu-lhe apagado e perdeu-se no meio de todos os ruídos que agitavam aquele ambiente. os empregados circulavam rápido, prometiam a próxima mesa a sair é a vossa, anotavam pedidos, distribuíam menus, às vezes paravam um pouco para espreitar o nuremberga-benfica pelo canto do olho. ele pousou as mãos sobre o colo, numa espécie de abandono consciente. ela bebeu um gole de ice tea pela palhinha preta e fixou um qualquer ponto no chão.
Maybe I didn’t love you
Quite as often as I could have
If I made you feel second best
Girl I’m sorry I was blind
foi a vez de ele se inquietar. sentiu o olhar dela subitamente posto no rosto dele e assustou-se: olhou para a televisão. pensou que, assim como assim, se estivesse a ver o jogo tinha uma desculpa para não dizer nada. pelo canto do olho, sentiu o olhar dela pousar no chão novamente. melhor. mais confortável. reparou que ela observava a mesa do lado, onde um grupo de amigos ia deixando cair gargalhadas umas atrás das outras. olhou também ele para a mesa do lado, e o seu olhar encontrou o olhar castanho de uma rapariga que tinha o cabelo preso no alto da cabeça, um pouco em desalinho. sentiu que a rapariga se atrapalhava, olhou para o chão muito rapidamente e corou um pouco. espreitou-o ainda pelo rabo do olho mas depois retomou a conversa na mesa dela. ele teve vontade de ir falar com a rapariga que tinha o cabelo preso no alto da cabeça, um pouco em desalinho. de lhe dizer que não, que não tinha sido sempre assim, que tempos houve em que as palavras fluíam com a facilidade da ternura entre ele e a namorada. tempos em que os silêncios eram espaçosos como o conforto. e não como agora, em que os silêncios eram simplesmente as ausências partilhadas de cada um deles.
Maybe I didn’t hold you
All those lonely, lonely times
And I guess I never told you
I’m so happy that you’re mine
o benfica marcou um golo. na mesa do lado, uma das raparigas festejou com os braços no ar. ele encolheu os ombros: nem gostava tanto assim de futebol, a não ser quando lhe servia de desculpa para se ausentar de si. olhou para ela, na sua frente. parecia perdida. parecia sozinha. parecia profundamente triste. e ele quis chamá-la. quis dizer-lhe não fiques triste. mas as palavras não surgiam, não brotavam, sei lá, parecia que o silêncio o abafava. debruçou-se para a frente para ela o poder ouvir, e comentou a demora do serviço: afinal de contas, tinham pedido há mais de meia-hora. ela acenou afirmativamente e deixou-se cair sobre as costas e os braços do sofá pequenino que lhe servia de cadeira. da mesa do lado, o rapaz de olhos azuis levantou-se para ir fumar. de repente, sem querer, ele cruzou mais uma vez o olhar com a rapariga que tinha o cabelo preso no alto da cabeça, um pouco em desalinho. ela atrapalhou-se novamente, como que apanhada em falta a beber da vida dos outros. mas depois ergueu um bocadinho os olhos, num relance, cruzou-se com os dele, e ele quase que jurou que ela lhe tinha dito qualquer coisa através do espaço que os separava. baixinho, um consolo, talvez uma promessa, ele não sabia dizer.
Little things I should have said and done
I just never took the time
ele levantou-se e vestiu o casaco. não iam aproveitar a promoção para casais, prato+café+sobremesa+bebida+1 jogo de bowling por 23€. em vez disso, iam caminhar juntos até ao parque de estacionament0 subterrâneo, separar-se com um beijo mudo, e seguir para um para o seu carro. depois, ela ia para casa, ia-se deitar e ia chorar muito. se alguém lhe perguntasse porquê, ela não saberia responder. ele ia ligar a música muito alto e conduzir até ao mar, e ia vaguear horas e horas entre o escuro da noite e o barulho da água. se alguém lhe perguntasse porquê, ele não saberia responder. mas saberia talvez dizer aquela frase do Damien Rice que ultimamente lhe preenchia o pensamento dia e noite: does he drives you wild, or just mildly free?
And I guess I never told you
I’m so happy that you’re mine
era dia 14 de Fevereiro. de S. Valentim, se preferirem. e eu era a rapariga da mesa ao lado que tinha o cabelo preso no alto da cabeça, um pouco em desalinho.
[e agora, perguntam vocês, que raio tem o bendito quadro de classificação a ver com o casal calado da mesa do lado? nada, respondo eu. o quadro é só para chatear uma certa e determinada pessoa, que a esta hora deve estar a espumar-se pelas orelhas. mas convém acrescentar, a bem da verdade e da justiça desportiva, que o quadro não tinha espaço para mostrar simultaneamente todos os jogadores, pelo que dois deles ficaram ocultos nesta fotografia. um dos quais (ah, grande mulher!) terminou com 82 pontos o jogo, ficando então com o primeiro lugar do podium. eu não. eu limitei-me a fazer os mínimos para pequim.]
uma questão de ciência.
… mas é só se ficarem ofegantes…